Trecho da apresentação:
Começo a escrever na tentativa de dar voz àquilo que Mario Quintana definiu como ansiedade. Segundo ele: “Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado; ansiedade é quando sempre faltam muitos minutos para o que quer que seja”. Eu a chamo de eterna companhia, ou se preferirem um daqueles complexos que nos acompanham a vida inteira. Um desses anjos e demônios que nos rondam a existência.
Na trajetória da escrita e da vida, peço ajuda aos amigos, poetas, escritores, músicos, compositores e artistas. Como disse Clarice Lispector: “…é inútil procurar encurtar caminho… já começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes.”
Ansiedade mexe comigo e com a gente, mexe com o corpo, parece querer nos fazer sentir que temos e que somos também corpo, os sintomas nos corporificam. Ficam no corpo, e marcam a alma! No extremo da Ansiedade o corpo entra em estado de alerta, dispara, perde o controle, sufoca, desgoverna, enlouquece, entra em Pânico… E com ele o senso de realidade se perde, o momento presente se perde, o desespero toma conta, a ideia da morte é inevitável…
Meu corpo faz reconhecer que sou humana e Ansiedade uma deusa, “uma dessas coisas que cruzam o meu caminho de forma inesperada e violenta… coisas que perturbam as minhas visões subjetivas, meus planos e as minhas intenções. E mudam o curso de minha vida para melhor ou para pior” (Patrícia Berry, em conferência realizada em São Paulo em 2009, referindo-se à como Jung designava Deus).
Wladia Beatriz
Trechos da discussão:
Roberto Leal: Falar o que quando é o coração que fala. Foi o coração que falou. Estava rufando os tambores lá, desde cedinho…
Gustavo Barcellos: Parabéns e obrigado por ter dividido isso aqui com a gente. Não só tua experiência, mas a tua reflexão realmente. A emoção é o triunfo dos deuses.
Wladia Beatriz: E o triunfo do animal também, não é? E eu trago Pan também, esse deus meio bicho-homem. Estou aqui num capril, estou aqui com meus pés fincados num capril.
Gustavo Barcellos: Esses animais que estão na emoção: Hillman ontem “falando” do centauro (na citação lembrada), e daquele touro selvagem. A emoção é o triunfo do animal.
Gabriel Anjos: Wladia, me chamou a atenção que você trouxe a ansiedade como tema e a ansiedade é um dos males da cultura. Mas na sua apresentação senti uma outra face da ansiedade, que é mais essa coisa ligada à expectativa que anima a gente em busca de algum objetivo ou de realizar alguma fantasia.
Hermenegildo Anjos: Um anseio… Eu realmente nunca vi uma reflexão tão bonita sobre a ansiedade. Para mim é uma redenção da ansiedade, porque até López-Pedraza, que faz uma bela reflexão sobre a ansiedade, trata, como Gustavo está falando, a ansiedade como nós todos tratamos, como um sintoma perturbador, que, se você tiver uma outra relação com a alma, essa ansiedade deixa de ser sintomática. Deixa de ser tão perturbadora na sua vida. E a gente costuma muito se relacionar com ansiedade como um sintoma, e poder olhar para ansiedade, não apenas como um sintoma, mas como uma divindade, e revelar a beleza poética dela, o anseio amoroso dela, isso joga a ansiedade num outro lugar. Por exemplo, as pessoas que têm pânico, se pudessem refletir dessa forma em relação a sua ansiedade…
REFLEXÕES DE “HOJE” (ANOS DEPOIS)
Na companhia de Clarice Lispector encontro e imagino: “Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre…” (Clarice Lispector).
Após algum tempo sou impelida a olhar novamente para Quando sempre faltam muitos minutos para o que quer seja. Apresentei e reapresentei este trabalho em outros momentos a outras pessoas e também a mim mesma.
E me arrisco a dizer que essas reflexões, esse trabalho não tem fim…Tem revisão, tem olhar novamente, tem repetição (não exatamente do mesmo modo). Uma espécie de rotatio, como dizia a máxima alquimista: “uma operação só não faz o artista”… A meta da alma é rodar em círculos. Como diz Figulus: “O que buscamos está aqui ou em lugar nenhum” (James Hillman, em Psicologia Alquímica, p. 389 e 390).
Então o trabalho com a ansiedade tornou-se alquímico e me faz rodar em círculos, uma circularidade da própria alma. “A rotatio como uma roda da fortuna anuncia que nenhuma posição pode permanecer fixa, nenhuma afirmação pode ser finalmente verdadeira, nenhum lugar de chegada pode ser alcançado.” (James Hillman, em Psicologia Alquímica, p. 389).
E nesta Experiência Renovada!!! Vulnerabilidade e Fraqueza.
E deparo-me com James Hillman dizendo: “A flecha de Eros aponta para essas feridas, conscientizando-nos dessas brechas na personalidade, desses aspectos não curados, desses lugares caóticos. Dessas feridas flui o amor, pois o amor flui mais facilmente das fraquezas e das psicopatologias do que dá força. Almejar a invulnerabilidade como meta, ou como remédio, significa colocar-se a salvo das flechas de Eros e de sua tocha e nunca mais sentir-lhe a pontada e a chama erótica. Eros faz alma também na fraqueza, pois revela à psique as feridas de sua inaptidão” (James Hillman, em O Mito da Análise, p. 94).
As imagens arquetípicas não tem fim, outro dia no sonho me olhava no espelho e não me reconhecia. O que via era algo meio bicho, meio gente, peludo, cabelo espichado. Era eu e não era eu. Balançava minha cabeça como que para tentar me enxergar, não me via, mas algo me reconhecia. (Como diz Clarice em “Um Enigma”: “Tenho várias caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo.”)
O que via como bicho era um pouco monstruoso e me assustei! E qual o problema de assustar-se?
O assustado em mim, hoje, tem um lugar, um novo lugar… Ganhou um nome, chama-se Maçaneta. Abre portas, fecha outras, faz rir e faz chorar! E me conta que nas galáxias, muitas coisas se acabaram e que depois do Medo, vem o Encantamento.