O Fértil Corpo da Alma

By 2 de setembro de 2014novembro 11th, 2023Corpo Arquetípico

Trecho da apresentação:

Na terra psíquica, em nossas fantasias e sonhos, podemos nos envolver com pessoas diferentes, encontrar outras tantas e estar em tantos lugares sem sequer termos literalmente saído do lugar.

No que seria fértil o corpo da alma? Aonde a alma ganha corpo? Como todos já sabemos, em um sentido junguiano e arquetípico, alma tem a ver com imagens, com emoções, com fantasias, sonhos e estados de humor – este é o corpo da alma.

Mas, como o corpo físico, o corpo da alma (seu tom, seu sabor, sua consistência e conjunto) não é apenas dado, ele precisa ser cultivado. Há um trabalho a ser feito com a matéria prima dada. Pois todos sabemos que uma terra pode ser fecunda e apenas ser lotada de mato. Bem como todos sabemos que a alma pode ser fértil em promover vida estéril, não? Penso, por exemplo, na fartura da alma paranóide que em tudo encontra sentido. Seria isso fertilidade ou esterilidade?

Resolvo assim: fertilidade e esterilidade se combinam, se entrelaçam. Sofremos as agonias desta composição. Um nasce do outro. Um pode matar o outro. De tão fértil a alma do louco se perde esterilmente em suas imagens e emoções; de tanta dor, de tanta ferida infértil pode brotar uma fertilidade anímica.

O trágico vem, como já falamos, de nossas dores. E o estético, de quando com elas, as emoções e imagens, podemos fazer arte, de quando deixamos que façam arte conosco tocando nossos corações. Da emoção que permeia o lidar com o  trágico e o estético — destes laços emerge a fertilidade que a alma que tem corpo pode ter.

Especialmente gosto quando Rafael López-Pedraza fala das emoções que vêm do interior e do exterior. As do interior  já falamos aqui bastante, mas sem a relação com o fora, com os olhos da alma das outras pessoas, nada fazemos, nada criamos. A fertilidade do outro nos fertiliza. Penso no quão bem faz vermos o como os outros olham as situações (e nos olham) de formas diferentes da nossa.

Renata Wenth

 

 

 

Trecho da discussão:

Vânia Castilho: Essa coisa do eterno. Ontem, Gustavo Barcellos falou dos limites do corpo físico, e depois você falou dos limites do corpo da alma. Pensei no limite do corpo físico, que seria uma doença terminal. E me perguntei se existe o limite do corpo da alma… A alma é eterna, ou ela tem um limite a partir… ou ela é o tempo todo, existe o limite e ao mesmo tempo… não sei.
Gustavo Barcellos: Acho que é um paradoxo que tem a ver um pouco com essa questão que Renata trouxe, da infertilidade. Quer dizer, esse é um paradoxo: a imaginação tem limite? O limite do corpo da alma me parece ser o limite da imaginação, até onde vai a nossa imaginação. Ela pode ir mais, ir mais. Mas se ela pode ir mais, ela pode vir menos, ou seja, há sempre um limite. Quero dizer com isso que a nossa vida está um pouco sob o limite da nossa imaginação, e é um pouco este tipo de paradoxo que eu trouxe em minha fala também.
Ana Suely: Eu achei muito interessante. E existe um fim com o corpo físico.
Gustavo Barcellos: Isto tem a ver. Acho que você lembrou bem, porque se encaixa com o que Renata está relatando, que é a questão da fertilidade. Isto também tem um limite. A fertilidade é imposta por um limite. Quer dizer, de novo um paradoxo.
Renata Wenth: Acho que sim. Acredito que não há fertilidade sozinha ou esterilidade sozinha, elas têm que se combinar. Porque a fertilidade pela fertilidade, fico pensando, meu Deus! a alma do louco também… é tão fértil…
Gustavo Barcellos: É que a gente não pode moralizar a fertilidade. Fertilidade é isto, é fartura.
Renata Wenth: Para o bem e para o mal.
Gustavo Barcellos: Para o bem e para o mal. Você não está julgando a fertilidade. Acho que você está falando de fertilidade no sentido amplo e falando de um fato, o corpo psíquico.
Renata Wenth: Assim como a esterilidade também, ou infertilidade. Que são duas coisas…
Gustavo Barcellos: Sim, senão você vai julgar esterilidade também, e em algum momento ela pode ser muito bem-vinda.
Hermenegildo Anjos: Será que o limite da alma não está na especificidade? Quando penso em limite, penso, por exemplo, na especificidade de uma foto. Ela é muito limitada naquilo que é naquele momento. Naquela singularidade de todos os elementos. Quer dizer, para que o corpo anímico se apresente, precisa dos limites da especificidade. Não adianta você falar só de abstrações, de grandes categorias. Tem que haver uma coisa muito especifica.
Gustavo Barcellos: Que é a precisão da imagem, não é?