Trecho da apresentação:
Para James Hillman, o bricoleur é um dos principais personagens representantes do trabalho da psique. O trabalhador psíquico é um bricoleur. A imaginação, principal atividade da psique para Hillman e Jung, trabalha qual um bricoleur. Se a psique trabalha qual um bricoleur, a análise/um analista falará na mesma língua que a psique, portanto trabalhará também qual um bricoleur.
Os caminhos do trabalhar da psique: desvio dos meios costumeiros e literais, meios indiretos, trabalho manual e artesanal, “faça você mesmo”, sucata, desmontar e montar, antiguidades e artigos de segunda-mão. Reciclagem. Comércio. Jogo e movimento incidental. Improvisos. Acaso e precisão.
Um trabalho contínuo, constante, sempre em movimento. A psique/bricoleur é, portanto, incansável. Apaixonada. O bricoleur pode também ser um Porquinho Prático !
Um trabalho humilde: “A bricolage parece destruir a ambição, a glória, as asas,” diz Hillman. A bricolagem trabalha com relações e quando nos relacionamos a humildade precisa entrar em cena, dar lugar ao outro, à mudança que o outro provoca, necessariamente. E, a mudança somente vem com a humildade, que é fértil por perceber que tudo está em constante movimento de desconstrução e reconstrução — de bricolagem. Nada é para sempre.
Humildade até para ver que algo pode perder o uso, o interesse, a finalidade. Para aceitar que vamos sendo conduzidos neste caminho muito mais por aquilo que chamamos, aos olhos do ego, de “erro”, “fracasso”. Acaso: “A consciência psicológica surge dos erros, das coincidências, das indefinições; antes do caos do que do controle inteligente”, diz Hillman, em seu Re-vendo a psicologia.
Renata Wenth
Trecho da discussão:
Daniela Bender: Você não acha, Renata, que está havendo uma hipervalorização só desse lado, que a “gente porquinho prático” também pode ser legal? Na arte, hoje em dia, por exemplo, se você for literal você é careta, é bobo, você não pode mais olhar para o literal, você não pode ser um porquinho prático com prazer. Tem que ser sempre o outro lado? Não estamos muito extremados nisso?
Hermenegildo Anjos: Queria justamente falar sobre isso, porque essa questão da moralização eu acho importante. Na verdade, esse talvez seja um dos perigos maiores que corremos na leitura de um sonho, de um conto de fadas, na leitura de qualquer imagem.
Renata Wenth: Ou de uma pessoa.
Hermenegildo Anjos: É. Exatamente. Então, esse tipo de cuidado é realmente uma coisa importante. Estamos dentro de uma perspectiva de imaginação que é predominantemente monoteísta, que separa as coisas, que teima por enfatizar a separação, e essa ênfase na separação cria inevitavelmente um moralismo. Por exemplo, até numa história como esta dos três porquinhos, o olhar moralista já divide os três porquinhos como se fossem coisas separadas. Os três porquinhos podem ser vistos numa perspectiva de não separação; podem ser vistos como três aspectos de uma mesma coisa que está ali, e cada aspecto tem a sua função. Não podemos dizer que um porquinho é prático e o outro não é prático. Tocar violino, tocar flauta, requer uma prática, requer um trabalho.
Gustavo Barcellos: O bricoleur é uma prática também.
Hermenegildo Anjos: O bricoleur está nos três.
Renata Wenth: Por isso que é legal fazer a banda.