O trajeto psicológico mais profundo que o imaginário da intimidade faz retorna assim a gaveta à caverna, a caverna ao ventre, e o ventre à mãe: e o que há de mais íntimo em nós do que a mãe, nossa origem? O analista da intimidade fará esse percurso que ele entende como uma descida, pois a intimidade é quase sempre sentida como uma descida, um aprofundamento, um mergulho. Ou… uma queda. A intimidade, toda intimidade é vertiginosa. Vai ao fundo, quer o fundo, cada vez mais fundo, é abismo, é segredo e mistério. É essa a vertigem das gavetas.
Sentida como o destino dos segredos mais íntimos, a gaveta nos apresenta à vertigem do íntimo, ou ao íntimo como vertigem — o que faz deste um tema também borgiano: gavetas dentro de gavetas, dentro de gavetas, como acontece também com prateleiras, bibliotecas, catálogos, listas, labirintos, enciclopédias. A metáfora das gavetas é, primariamente, a metáfora das camadas de sentido. E, nessa medida, também a metáfora de um mundo engavetado, mundo desse nosso tempo classificado e repartido, mundo de tribos, estilos, confrarias, raças, cores, sexualidades, atitudes, filiações, identidades, comportamentos, alinhamentos, categorias — cada um na sua: a que grupo pertenço, a que grupo pertencer? Qual é, onde está minha gaveta? Gustavo Barcellos em “A Vertigem das Gavetas”