Trecho da apresentação:
Core, a donzela, transforma-se em Perséfone, a rainha do mundo das trevas. Para tanto, aceitou o alimento que Hades, o Deus do reino das profundezas, oferecia, as sementes da romã, a fruta que sangra, que é ao mesmo tempo ácida e doce, e também detentora de fertilidade e renovação. O fruto sagrado do Hades é feito de sangue: vida e sacrifício.
Assim como as vestes do anfitrião são negras e o manto vermelho, o que recobre a escuridão é o vermelho da vida. Ir para a vida com o vermelho do Hades implica em escolha. Podemos alimentar-nos das experiências difíceis da vida e transformá-las em doces sementes de crescimento, ou guardarmos para sempre amargas lembranças de momentos dolorosos e incompreendidos.
É necessário libertar-se do desespero inerente aos momentos em que o chão se abre aos nossos pés, capacidade de enfrentamento para não sucumbirmos à vitimização pelas perdas e as tristezas da separação, coragem para vivenciar a dor do amadurecer, do encontro com o escuro em nós, e então renascer.
Mas sempre vai restar a opção de não comer no Hades, continuar Core, amaldiçoando o deus pelo rapto e sofrendo para sempre as dores da perda.
Gisele Sarmento
Trecho da discussão:
Hermenegildo Anjos: O Splendor Solis, aquele tratado alquímico, fala exatamente disso. Quando o sol escurece, quando tudo fica escuro, você vai lavar roupa, cuidar de criança, vai fazer uma série de coisas até o sol reaparecer.
Letícia Capriotti: Só para voltar na necessidade que você tem de ingerir, de comer no Hades para voltar lá. O interessante é que se a alma está no mundo, eu posso passar pelo mundo sem alma, sem ficar no mundo. Eu tenho que fazer esta troca. Tenho que internalizar. Eu tenho que deixar a alma entrar em mim para eu poder ficar.
Gustavo Barcellos: É, acho mesmo que é uma imagem muito poderosa. Comer para estar, para ter presença.
Letícia Capriotti: Senão você passa e nada acontece.
Considerações atuais:
A imagem do sacríficio, necessário para a transformação, ilustrada no mito pela escolha de Core em aceitar comer as sementes de romã oferecidas por Hades, permite a diferenciação entre sofrimento e sacrifício. Sacrifício implica desapego, a capacidade de abrirmos mão de nossas ilusões e a relação com as perdas como um fator inerente e necessário à transformação, enquanto o sofrimento não admite o erro e a transitoriedade da vida, aprisionando-nos a velhos padrões de comportamento que impedem a transformação, ou seja, uma nova forma de manifestação.
Gisele Sarmento