Quero explorar com vocês a idéia de arquitetura interior, que é a arquitetura da memória. Nessa arquitetura existe a possibilidade dos sonhos, da imaginação, é uma arquitetura onde a sombra é permitida. A arquitetura a qual estamos habituados tenta controlar muito a incidência de luz. E na nossa arquitetura interna não existe esse controle. No mundo da imaginação, toda essa relação de luz e sombra, interno e externo, é muito poderosa. É a arquitetura das lembranças, das portas antigas, dos objetos que fizeram sentido quando eramos pequenos; tem muita textura, mas nem sempre muitas cores. Há sempre a predominância de uma cor, e existem escuros indefinidos. É uma arquitetura que permite indefinição; todas essas fantasias da infância, lugares imaginados, imaginários…
O tipo de relação que temos entre os espaços externos, quão fechados e quão abertos, para nos fazerem sentir confortáveis, está muito ligado as nossas primeiras experiências. E vejo constantemente as pessoas repetindo estas imagens de infância, de novas formas. Algumas explicitamente povoam a casa com memórias, com estas imagens e lembranças.
Quando somos pequenos a dimensão das coisas, entrar e sair dos lugares tem uma imponência, e nem sempre temos a dimensão inteira do lugar. Lembro-me nitidamente da fachada da minha escola de infância, da qual fugi no primeiro dia. Saí correndo, brigando, e só voltei lá depois de adolescente, quase adulto. Foi um choque, porque eu tinha aquela imagem como sendo imensa na cabeça, e o lugar não era nada disso, era muito pequeno.
Acho que o olhar de criança permite uma série de distorções e enfatiza aquilo que realmente interessa quando se é criança. É algo que muda com o crescimento do corpo, a perspectiva, o teu olhar vai mudando. Então pode ocorrer o inverso: um lugar parecer banal e você chegar lá e ver que era enorme. Fui uma criança que brincou muito imaginando coisas, e não prestava atenção em adultos. Então, esse primeiro dia de escola para mim, foi: “o que é isso, que lugar é esse”?
Essa lembrança da fachada dessa escola e da fuga foi muito importante para mim, porque mostrou que eu podia fugir, que ninguém ia me segurar ali. Também foi interessante quando voltei lá depois e notei: “naquele dia eu corri apenas cinqüenta metros”. Cinquenta metros foram uma grande libertação!
Roberto Straub
Roberto Straub: O que mais me incomoda na arquitetura da forma é o ser humano ser tratado como partícula, fluxo. É uma arquitetura que venera a limpeza, a perfeição, a assepsia, muito branco em geral, cores puras.
Gustavo Barcellos: É o sonho da razão.
Vera Rocha: Pior quando fazem isso na sala de espera dos consultórios. Não só dos psicólogos, mas dos médicos. As pessoas ficam sentadas por muito tempo…
Roberto Straub: Se vocês pensarem, tem coisa mais estranha que um sofá de concreto, ou coisa parecida? E os ambientes das empresas? Você entra num lugar que parece a coisa mais moderna do mundo. O nível de concentração das pessoas é o mais pobre do mundo, porque não se consegue conversar com ninguém, literalmente, por causa do ruído, por estar num espaço aberto, dividido em pequenas baias, que supostamente promovem a integração entre as pessoas.
Áurea Roitman: Chama baia, olha o nome.
Marilda Castellar: Nesses lugares você não pode conversar, você conversa via internet.
Elias Korn: Qual o motivo desse tipo de arranjo?
Roberto Straub: Supostamente para haver mais integração, mais rapidez, mais eficiência, economia de espaço.
Nelson Graubart: O mais engraçado é que essa imagem é de um escritório panorâmico…
Roberto Straub: É panorâmico para o chefe do escritório, que fica atrás do vidro…. O que quero salientar é que a função básica desta arquitetura é a pessoa trabalhar mais, não é uma função estética como pode parecer, e nem ao menos a informação está fluindo…
Marilda Castellar: Mas neste sentido, a função aí é controle, não é?
Roberto Straub: Sim, mas não é em função do usuário, é em função de quem?
Vânia Castilho: Do dono, do chefe.
Roberto Straub: Exato, e há também uma contradição. Você acha lindo e você acha um monstro, geralmente se você reparar nessas coisas mais modernas as pessoas ou adoram ou odeiam.
Adriana Ferreira: Mas Beto, espera um pouquinho. A capacidade de poder erguer uma tal forma poderia ter a ver com a necessidade do homem de ir além da função?
Roberto Straub: Acho que é uma leitura bastante bonita e poética. Na verdade, se você olhar os ideais políticos dessas pessoas, eles não tem essa poesia toda.
Gustavo Barcellos: A forma também não é uma necessidade da alma? Transcender a função pode também ser visto como uma necessidade da alma.
Hermenegildo Anjos: Apesar do arquiteto.
Roberto Straub: Eu acho que é uma necessidade da alma também. Mas não coloco a arquitetura moderna primeiramente ligada a esta necessidade porque eu vejo nela o servir a um ideal onde há pouca alma. É uma arquitetura que te transforma em igual, à partir de conceitos políticos ou econômicos, vestidos por uma forma genial. Podemos identificar questões econômicas permeando o desenho, o projeto. Questões que não acolhem a alma, que transformam você em transeunte, usuário, número.
Quero salientar um aspecto que é o do caminhar. Um dos textos que o Gustavo me deu do Hillman sobre o caminhar mexeu comigo profundamente. Identifiquei que para mim não tem coisa mais irritante do que entrar num lugar e ser obrigado a caminhar do jeito que a pessoa desenhou, senão você não vai a lugar algum. Acho que isso é tolher a liberdade de um ser humano, é criar um sentido obrigatório de direção para o andar, vestido de modernidade.