Trecho da apresentação:
O paladar é uma imagem. À medida que faço contato com as imagens, percebo que o paladar guarda mistérios, segredos, magias, sofrimentos, alegrias, bruxarias. Surge às vezes através do gosto forte, outras vezes, apenas em nuances.
A alma do paladar traz a emoção do antes, do durante e do depois, num conjunto de fatores que compõem as nossas imagens, atiçando o gosto do presente, reconstruindo o passado e animando histórias de um futuro imprevisível.
Quem, de nós, não tem pelo menos uma imagem associada ao paladar? Um momento da infância, uma ocasião especial, alguém que deixou a sua marca pelas habilidades culinárias, pelo cheiro do assado, ou ainda por todo o clima que envolve o ritual da preparação da comida.
O imaginário do paladar aproxima e distancia; define e confunde o sabor que amarga, azeda, adocica, acidifica, arde, queima, gela. Reconhecemos o único e o múltiplo; o diferente e o semelhante através do perfume, fedor; beleza, feiura; simpatia, aversão; moleza, dureza; liquidez, pastosidade, porque sentimos o paladar pelo que comemos com a boca, os olhos, pela pele, pelo nariz, pelos ouvidos e pelos sentidos imaginais.
Cozinhar, cuidar dos sabores, porque se sente satisfação quando há trocas mútuas e interdependentes entre quem prepara e o próprio alimento; entre quem prepara e aquele alguém que come, um é alimentado pelo outro, perpetuando enquanto forças contraditórias que se complementam. Esta é uma sutil dependência que desperta emoção, e pode levar a lamber os beiços e a suspirar com prazer orgástico.
Ângela Teixeira
Trecho da discussão:
Gustavo Barcellos: Mas o mais precioso é isso mesmo, é você conseguir falar da perspectiva do paladar. Você consegue, você vai lá. Não é alguém falando do paladar; temos a impressão de que é o próprio paladar, a alma do paladar falando, se mostrando, mostrando suas nuances, suas múltiplas combinações…
Roberto Straub: E é impressionante a quantidade de imagens.
Ricardo Becker: É por isso que, vou insistir um pouquinho, citei a coisa da água: insípida, inodora e incolor. Porque é uma construção, do insípido, inodoro e incolor até a gente ficar quase salivando na tua poesia. É toda uma construção.
Gustavo Barcellos: Claro, eu senti isso também: da perspectiva do paladar, a água não é insípida. Está cheia de possibilidades. Sabores.
Gisele Sarmento: Achei interessante, porque passei a imaginar como fazer alma é doce, é amargo, tem canela, a coisa do paladar no “fazer a alma”. No estar vivendo, se aprofundando, saboreando a vida. Mas você trouxe exatamente isto, parece que materializou mesmo no paladar. Como fazer alma? Numa existência inteira, como a alma se manifesta? Como isto funciona? É exatamente assim, é com canela, com sal, com gengibre…
Ângela Teixeira: E com cheiro…
Gisele Sarmento: Mas ficou muito interessante isto, que a alma deve ter essa sensação.
Gustavo Barcellos: E que metáforas são essas, não é?