Todos os dias, em algum nível, o consumo atinge nossas vidas, modifica nossas relações, gera e rege sentimentos, engendra fantasias, aciona comportamentos, faz sofrer, faz gozar. Às vezes constrangindo-nos em nossas ações no mundo, humilhando e aprisionando, às vezes ampliando nossa imaginação e nossa capacidade de desejar, consumimos e somos consumidos.
Numa época toda codificada como a nossa, o código da alma (o código do ser) virou código do consumidor! Felicidade, luxo, bem-estar, boa forma, lazer, elevação espiritual, saúde, turismo, sexo, família e corpos são hoje commodities reféns da engrenagem do consumo.
O consumo não pertence a todas as épocas nem a todas as civilizações. Somente há pouco tempo histórico é que falamos e entendemos viver numa sociedade de consumo, onde tudo parece necessitar adaptar-se à lógica dessa racionalidade, ou seja, à esfera do lucro e do ganho, à ética e à estética das trocas pagas. Tornamo-nos homo consumericus. Mas, num plano mais profundamente psicológico, que racionalidade é mesmo esta, a do hiperconsumo? Que doença é esta, a paixão consumista, tão absorvente, tão aparente, tão definidora?
O consumo, entende-se, é uma forma modificada e moderna de estabelecer relações com o mundo dos objetos e dos seres, e também com o mundo da interioridade. Mas é na própria interioridade que a vontade de saber, a vontade de se relacionar, a vontade de viver e a vontade de lazer foram absorvidas por essa lógica.
E claro, entre os muitos bens, materiais e imateriais, também consumimos psicoterapia, e há vários lugares ou modalidades para se “comprar” alma. Fast, slow, profunda, comportamental, breve, análise junguiana, workshops de fim de semana, viagens espirituais, meditação, retiro. Sem falar da auto-ajuda no Reino do Self-service.
Ao buscarmos pela alma do consumo, lançamo-nos, sempre mais desconfortavelmente, no jogo entre necessidade e supérfluo, entre frívolo e essencial. Ou seja, entre consumo de necessidade e consumo de gosto — faces de um consumo consciente e de um consumo de compulsão. Sem saber mesmo ao certo onde termina a necessidade, onde começa o supérfluo.
Gustavo Barcellos